Padre Fábio de Melo
Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem
ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao
aeroporto carregando o colchão para ser despachado?
As perguntas são muitas… E se eu tiver vontade de ouvir aquela
música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a
primeira vez?
Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e
vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então,
inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu
pra nada.
É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de
sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o
mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a
mensurar o valor do mundo que nos pertence.
E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir.
Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos
para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços
deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam
quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue
sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar
ainda mais o meu território. É conseqüência natural que faz o coração
querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.
É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.
Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos
retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na
direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não
pertencem ao contexto de nossas lamúrias… Hospitais, asilos, internatos…
Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.
Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve
muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o
território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar
de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles
não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se
leve.
fonte: https://www.refletirpararefletir.com.br